sábado, 7 de janeiro de 2017

DR. ESTRANHOAMOR


DOUTOR ESTRANHOAMOR (1964)
 
Sob a fórmula de sátira que leva ao absurdo as consequências últimas da Guerra Fria, “Doutor EstranhoAmor” alerta-nos para os perigos de um desastre nuclear, pondo a descoberto os índices de falibilidade das medidas de segurança utilizadas, perante o gigantismo dos interesses económicos e da tecnologia bélica. Kubrick afirmou-o, aquando da estreia: “Trata-se de um filme que mostra um general louco que lança bombardeiros atómicos sobre um país adversário. A partir daí o mundo começa a levar as coisas a sério, só que é um pouco tarde.”
“Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb”, com argumento de Stanley Kubrick, Terry Southern, Peter George, segundo romance de Peter George (“Red Alert”, ou “Two Hours to Doom”) vê a sua acção polarizada em três cenários diferentes, mas convergentes nas suas acções que se interpenetram, numa montagem em paralelo: uma base militar norte-americana, isolada, onde se encontra um general enlouquecido; a sala redonda do Pentágono, onde o presidente dos Estados Unidos e os seus conselheiros políticos e militares tentam remediar a sabotagem; o interior de um bombardeiro que depois de ter recebido ordens para dar cumprimento ao plano de “ataque R”, se precipita para o interior da União Soviética, com a finalidade de destruir objectivos militares. Da conjugação das situações nestes três locais nasce o suspense desta obra de humor corrosivo, brilhantemente interpretada por Sterling Hayden (o brigadeiro Jack D. Ripper, um perigoso belicista louco), Peter Sellers (compondo três personagens: capitão Lionel Mandrake, adjunto de Jack D. Ripper, Merkin Muffley, presidente dos EUA e Dr.Stangelove, um técnico alemão, meio robot, com um teimoso braço direito que não se cansa de se projectar para a frente, numa clara saudação nazi), George C. Scott (general 'Buck' Turgidson), Keenan Wynn (coronel 'Bat' Guano) ou Slim Pickens (major T.J. 'King' Kong).


Este filme integra-se numa corrente de ficção política que na década de 60 teve várias obras de idênticas intenções, nomeadamente “Sete Dias em Maio”, de John Frankenheim, e “Missão Suicida”, de James B. Harris, até então produtor de Stanley Kubrick, e que com essa realização se emancipava como director, iniciando uma nova carreira. Mas este filme de Kubrick é claramente superior às outras obras (muito embora a evidente qualidade de ambas), e isso deve-se à magnífica realização deste cineasta, e sobretudo ao tom de humor escolhido. Kubrick não perde uma oportunidade para sublinhar um efeito de sátira: o piloto do bombardeiro norte-americano lança-se sobre terra russa, cavalgando uma bomba nuclear, tal como um vulgar cowboy de tempos heroicos; toda a carga simbólica de personagens como o brigadeiro louco (e a sua teoria da ameaça bolchevista: a degenerescência dos fluídos corpóreos!); o próprio Dr. Stangelove; a crítica ostensiva ao militarismo de um inconsciente general Buck Turgidson, que, depois de desencadeada a crise, já com os bombardeiros a caminho da URSS, justifica o aproveitamento desta decisão, com a explicação de que uma tal ocorrência apanharia os soviéticos desprevenidos e permitiria acabar com o seu poderio, “com um mínimo de perdas humanas, qualquer coisa como apenas 120 milhões de soviéticos e 20 milhões de americanos”; ou ainda o fabuloso bailado final, quando sucessivas explosões nucleares se fundem num apocalíptico cogumelo de destruição, tendo como banda sonora uma romântica valsa (sequência que está certamente na origem de certas ideias de sonoplastia desenvolvidas depois em 2001).
Um filme brilhante, de um homem desencantado e corrosivo quanto ao futuro do Homem. Um futuro que Kubrick irá antever sob uma perspectiva inteiramente nova, no filme seguinte, a sua primeira incursão no campo da ficção científica, “2001: Odisseia no Espaço”.


DR. ESTRANHOAMOR
Título original: Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb

Realização: Stanley Kubrick (Inglaterra, 1964); Argumento: Stanley Kubrick, Terry Southern, Peter George, segundo romance de Peter George (“Red Alert”, ou “Two Hours to Doom”); Música: Laurie Johnson; Fotografia (p/b):  Gilbert Taylor; Montagem: Anthony Harvey; Design de produção: Ken Adam; Direcção artística: Peter Murton; Maquilhagem: Stuart Freeborn, Barbara Ritchie; Direcção de produção: Clifton Brandon; Assistentes de realização: Eric Rattray; Som: John Aldred, Richard Bird, John Cox, Leslie Hodgson; Efeitos Especiais: Wally Veevers, Alan Bryce, Arthur 'Weegee' Fellig, Brian Gamby, Garth Inns, Mike Shaw; Efeitos visuais: Vic Margutti; Produção: Stanley Kubrick, Victor Lyndon, Leon Minoff.; Intérpretes: Peter Sellers (Capitão Lionel Mandrake/Presidente Merkin Muffley/Dr. Strangelove), George C. Scott (General 'Buck' Turgidson), Sterling Hayden (Brigadeiro Jack D. Ripper), Keenan Wynn (Coronel 'Bat' Guano), Slim Pickens (Major T.J. 'King' Kong), Peter Bull (Embaixador soviético Alexi de Sadesky), James Earl Jones (Tenente Lothar Zogg), Tracy Reed (Miss Scott), Jack Creley (Mr. Staines), Frank Berry (Tenente  H.R. Dietrich), Robert O'Neil (Almirante Randolph), Glenn Beck (Tenente  W.D. Kivel), Roy Stephens (Frank), Shane Rimmer (Capitão G.A. 'Ace' Owens), Paul Tamarin (Tenente  B. Goldberg), Gordon Tanner (General Faceman), John McCarthy, Hal Galili, Laurence Herder, etc. Duração: 93 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 25 de Julho de 1974. 


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